T E O R I A     (Referencial Físico Matemático)
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1. O NÚCLEO ATÔMICO

Com a configuração da estrutura eletrônica definida, a descoberta do núcleo e de sua estrutura, completa-se um novo modelo atômico (veja a figura 1).



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Figura 1 - Estrutura atômica e nuclear. Uma unidade conveniente para medir distâncias subatômicas é o fentômetro (=10-15m). Esta unidade também é chamada de fermi; 1 fermi=1fm = 10-15m.
Fonte: SPRACE.


Todo átomo contém em seu centro um núcleo com carga positiva, o qual é muito menor do que o tamanho global do átomo, mas contém a maior parte de sua massa total. Ou seja, a matéria do núcleo é altamente concentrada. A sua densidade é cerca de 2,4 . 1017 kg/m3: a massa de 1 cm3 de um material com esta densidade seria de 240 milhões de toneladas. Os nucleons (nome genérico dado aos prótons e nêutrons contidos no núcleo) são, por sua vez, compostos por quarks, que possuem uma fração da carga do elétron (note que  nêutrons são compostos por quarks que resultam em uma carga total nula), e são aqueles entes com nomes “bonitinhos” mostrados na figura 1. Como os elétrons, os nucleons também têm spin e, portanto, um magnetismo intrínseco com importantes aplicações tecnológicas, como a ressonância magnética nuclear.


1.1 Propriedades dos núcleos


Número Atômico (Z) - número de prótons do núcleo.

Número de Nêutrons (N) - número de nêutrons do núcleo.

Número de Massa (A) - soma do número de prótons e nêutrons: A = Z + N

 

                    SÍMBOLO:




Isótopos – Os isótopos de um elemento têm o mesmo valor Z, mas diferentes números de N  e  A. Como exemplos de isótopos do hidrogêniographic(A=1, Z=1), temos os deutério (graphic), que é igual ao átomo de hidrogênio acrescido de um nêutron, logo Z=1 e A=N+Z=1+1=2. Outro isótopo do hidrogênio é o trítio (graphic). Um nuclídeo é um determinado núcleo com valores definidos para Z e N. Na tabela 1, apresentamos uma lista contendo os valores de A, Z e N de alguns nuclídeos.



Tabela 1 - Massas atômicas dos átomos neutros (inclui a massa dos elétrons) de alguns nuclídeos comuns em processos de fissão e fusão nuclear. Também inclui as dos prótons, nêutrons e elétrons.


Onde u é a unidade de massa atômica, unidade prática de massa utilizada no nível atômico. É, por definição, igual a 1/12 da massa do átomo de carbono-12, cujo valor é:

graphic          (1)

Nas reações que envolvem núcleos, as transformações de massa em energia e vice-versa estão sempre presentes. Nestas reações, é de uso fundamental a equação de Einstein (E=mc2).

Assim, para convertemos massa em energia, basta multiplicar a massa (m) pela velocidade da luz (graphic) elevada ao quadrado. Convertendo 1U = 1,6605 x 10-27 kg em energia, temos:

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Assim, utilizando a relação  E = mc2, verificamos que 1u em repouso corresponde a uma energia de  ~ 931,5 MeV.



1.2 Tamanho e densidade da matéria nuclear (nucleons)

O raio do núcleo pode ser estimado por: graphic           (2)

Onde A é o número de massa e ro=1,2 fm (1 fermi=1 fm= 10-15m). Assim, a densidade do núcleo (aproximando por uma esfera de raio r) será dada por:

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Onde m é a massa dos nucleons, prótons e nêutrons (ambas muito próximas do valor utilizado no cálculo). Deste resultado, podemos concluir que todos os núcleos possuem aproximadamente a mesma densidade.


2. A ENERGIA NUCLEAR

A grande proximidade entre os núcleons implica a existência de uma força de interação nuclear atrativa muito intensa para superar a repulsão eletrostática entre os prótons, o que leva a consequências extraordinárias. Uma delas é a possibilidade de obtenção de uma energia cuja origem está no núcleo do átomo - a energia nuclear. Para entender a origem desta energia, observe os dados da tabela 2. Sabemos que o átomo do deutério é igual ao átomo do hidrogênio acrescido de um nêutron. Esses dados mostram algo intrigante: a soma da massa do átomo de hidrogênio com a massa de um nêutron é maior do que a massa do deutério. Ou seja, a massa dos componentes em separado - um átomo de hidrogênio mais um nêutron - é maior do que a massa do deutério, que tem esses mesmos componentes. Os cálculos estão resumidos na tabela 2. Na teoria da relatividade restrita de Einstein, massa e energia são equivalentes. Uma variação da massa de um sistema (graphic) equivale a uma variação da energia (graphic) de repouso do sistema, de acordo com a relaçãographic, em que c é a velocidade da luz no vácuo. Essa variação de massa (que neste exemplo, vale graphicu) ocorre com o núcleo de todos os átomos, e equivale à energia que mantém os prótons e nêutrons unidos no interior do núcleo, ou seja, é a energia de ligação (graphicEL) desse núcleo. Assim, para separar as partículas que compõem o núcleo, teríamos que fornecer ao núcleo uma energiagraphicEL durante o processo de separação. Mas o que realmente importa é a energia de ligação por núcleon (graphicEL/A), ou seja, a energia média necessária para arrancar um nucleon do núcleo.


Tabela 2 - Variação de massa (energia) para a formação de um átomo de deutério. Para compensar as massas dos elétrons, os cálculos são realizados utilizando-se a massa atômica dos átomos neutros de hidrogênio e deutério.   


Para o caso do átomo de deutério, temos que a variação de massa do deutério é graphicu correspondente a uma energia de ligaçãographicEL=2,224 MeV. Como o deutério tem dois núcleons (A=2), sua energia de ligação por núcleon é: graphic          (4)

É muito menor, por exemplo, que a energia de ligação por núcleon do Urânio-238 (238U), como mostra a figura 2 em um gráfico bastante significativo para a física moderna. Nesta figura, o pico acentuado para A=4 mostra a estabilidade excepcional da estrutura dographic(partícula alfa).


Figura 2 - Energia de ligação por nucleon (graphic) em função do número de massa (A=Z+N).


A energia de ligação por núcleon do Urânio-238 (238U) é muito maior que a energia de ligação por núcleon do deutério (2H). No processo de fissão, um núcleo pesado se divide em dois fragmentos cuja energia de ligação por nucleon é maior que a do núcleo original (em torno de 0,9 MeV).
A informação mais importante da figura 2 é a consequência da transmutação de núcleos de átomos localizados nas regiões do início ou do fim da curva (núcleos menos estáveis), onde a razão (graphic) é mais baixa que a das regiões intermediárias. Os núcleos que aparecem na parte superior da curva são os mais estáveis, já que é necessária uma energia maior por nucleon para desintegrá-lo. Assim, a liberação de energia na transmutação nuclear (transformar um elemento em outro por fissão ou por fusão) ocorre na passagem de um estado de menor para outro de maior energia de ligação. Os núcleos situados na extremidade direita da curva perdem massa ao se transformarem em dois núcleos com um número de massa intermediário. Este processo é conhecido como fissão.  Os núcleons situados na extremidade esquerda da curva, isto é, com um número de massa pequeno perdem massa ao se combinarem para formar um único núcleo com um número de massa intermediário. Este processo, conhecido como fusão, ocorre naturalmente no interior das estrelas.
Podemos, então, equacionar de uma maneira mais elegante, a energia de ligação. A massa M de um núcleo é menor que a soma das massas isoladas,graphic, das partículas que o compõem. Isto significa que a energia de repouso Mc2 de um núcleo é menor que a energia de repouso total graphicdos prótons e nêutrons que fazem parte do núcleo. A diferença entre essas duas energias é chamada de energia de ligação do núcleo:graphic          (5)

A energia de ligação é a quantidade de energia que deve ser fornecida ao sistema (núcleo) para separá-lo em todas as suas partículas constituintes, que apresentem massas de repouso isoladas de valor mi.  Assim, a energia de ligação é uma medida da estabilidade de um núcleo.  Uma medida ainda melhor é a energia de ligação por nucleon (próton ou nêutron), que representa a energia média necessária para arrancar um nucleon do núcleo: graphic          (6)

A energia Q de uma reação envolvendo produtos nucleares iniciais com massa de repouso total mi e finais com massa de repouso total mf é dada por:


graphic> (energia da reação)          (7)


>Para levar em conta a contribuição dos elétrons, devemos usar as massas dos átomos neutros nestas equações. Ou seja, aplicamos a massa do hidrogêniographic> para um próton, a massa do deutériographic>para um dêuteron, a massa dographic>para uma partícula alfa (núcleo de hélio-4), e assim por diante. A reação pode ser endotérmica (Q< 0) ou exotérmica (Q > O). Quando Q é positivo, a massa total diminui e a energia cinética aumenta. Quando Q é negativo, a massa total aumenta e a energia cinética diminui, neste caso, a reação só pode ocorrer quando a energia cinética inicial no sistema de referência do centro de massa é maior do quegraphic. Ou seja, nesse caso existe uma energia limite - uma energia cinética mínima para que uma reação endotérmica se desencadeie.


3. A FISSÃO NUCLEAR

Em 1939, quatro cientistas alemães - Otto Hahn, Lise Meitner, Fritz Strassmann e Otto Frisch - fizeram uma descoberta importante, que representou o início da era nuclear. Eles observaram que um núcleo de urânio, depois de absorver um nêutron, se divide em dois fragmentos e massa bem menor que a do núcleo original. Essa divisão de um núcleo pesado em dois núcleos mais leves é chamada de fissão nuclear. A figura 3 mostra uma reação de fissão na qual um núcleo degraphicé dividido em fragmentos degraphic(Bário) egraphic(criptônio). Cerca de 15 MeV da energia liberada na fissão de um núcleo de 235U resulta dos decaimentos graphic dos fragmentos da fissão. A reação ocorre quando ographicabsorve um nêutron térmico (energia cinética da ordem de 0,04 eV), o que leva a formação de um “núcleo composto”,graphicaltamente instável. Quase imediatamente, o núcleo composto se desintegra emgraphic,graphic e três nêutrons, na seguinte reação: graphic          (8)

Esta reação é apenas uma das muitas que podem ocorrer quando o urânio sofre uma fissão.

Figura 3 -  Um nêutron térmico pode provocar a fissão do urâniographic em graphic(Bário) e graphic(criptônio), com a liberação de três nêutrons. Nêutrons térmicos são nêutrons que se movem lentamente por estarem em equilíbrio com o meio que os rodeia. Fonte: http://www.efda.org/multimedia/downloads/animations/fission.swf


Em outra reação, por exemplo, quando ographicabsorve um nêutron térmico (energia menor que 0,04 eV), leva à formação de um “núcleo composto”,graphic, em um estado altamente excitado. É este núcleo que sofre o processo de fissão. Ou seja, este núcleo composto se desintegra em xenônio-140 e estrôncio-94, liberando dois nêutrons, na seguinte reação:

graphic          (9)

Observe que, durante a formação e fissão do núcleo composto, são conservados o número de prótons e o número de nêutrons (e, portanto, o número total de nucleons e a carga total).  Na reação anterior, os fragmentosgraphic egraphic são altamente instáveis e sofrem vários decaimentos beta (com a conversão de um nêutron em um próton e a emissão de um elétron e um neutrino) até que o produto do decaimento seja estável. No caso do xenônio, a cadeia de decaimentos é mostrada na tabela 3. O nuclídeo graphicé estável. Esta série de decaimento beta produz, na média, 15 MeV de energia cinética adicional.


Tabela 3 - Cadeia de decaimento do xenônio


No caso do estrôncio, a cadeia é mostrada na tabela 4.

Tabela 4 - Cadeia de decaimento do estrôncio.



Sendo assim, levando em conta estes decaimentos, obtemos a transformação global: graphic           (10)

Como seria de se esperar, os números de massa (140 e 94) dos fragmentos permanecem inalterados durante os processos de decaimento e os números atômicos (que são, inicialmente, 54 e 38) aumentam de uma unidade a cada decaimento.


3.1 Energia liberada na fissão de um núcleo


Cerca de 100 nuclídeos diferentes, representando cerca de 20 elementos diferentes, foram encontrados entre os produtos da fissão do urânio. A figura 4 mostra a distribuição dos números de massa dos fragmentos produzidos quando o urânio 235 é bombardeado com nêutrons térmicos.

Figura 4 - Distribuição estatística dos números de massa dos fragmentos da fissão do urânio 236 resultante da absorção de nêutrons pelo urânio 235. Observe que a escala vertical é logarítmica.
Fonte: Halliday (2007).

Os números de massa mais prováveis, que estão presentes em cerca de 7% dos eventos, são A=95 e A=140. De acordo com a figura 2, no caso de nuclídeos pesados (graphic), a energia de ligação por núcleo é da ordem de 7,6 MeV/nucleon. No caso dos nuclídeos de massa intermediária (graphic), esta energia é da ordem de 8,5 MeV/nucleon. Isto significa que, quando o núcleo pesado se divide em dois, há uma liberação de energia de 8,5 MeV-7,6 MeV=0,9 MeV por nucleon, como indicado na figura 2. Como 240 nucleons estão envolvidos no processo de fissão, a energia total liberada por fissão pode ser estimada por (0,9 MeV/núcleon)
(240 núcleons)200 MeV.

A figura 5 mostra os vários estágios do processo de fissão, de acordo com o modelo utilizado por Niels Bohr e Jonh Wheeler, baseado em uma analogia entre o núcleo e uma gota de líquido carregada eletricamente, para explicar os principais aspectos do fenômeno. Segundo este modelo, quando um nêutron colide com um núcleo de urânio e é absorvido, o núcleo de urânio começa a vibrar e sofre distorções. Esta vibração continua até que a distorção se torna tão grande que a interação nuclear não é suficiente para compensar a repulsão eletrostática entre os prótons do núcleo. Nesse ponto, o núcleo se parte em fragmentos, que são ejetados com uma energia cinética considerável. Esta energia estava contida no núcleo original principalmente na forma de energia potencial elétrica. Como vimos, uma energia média de 200 MeV por núcleo é liberada no processo de fissão.

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Figura 5 - Os vários estágios de um processo típico de fissão, de acordo com o modelo coletivo de Bohr e Wheeler.Fonte: Halliday (2007).


Bohr e Wheeler também explicaram porque alguns nuclídeos pesados, como o urânio-235 e o plutônio-239, são facilmente fissionados por nêutrons térmicos, enquanto outros nuclídeos igualmente pesados, como o urânio-238, não sofrem este tipo de fissão.

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Figura 6 - Energia potencial em vários estágios do processo de fissão, de acordo com o modelo coletivo de Bohr e Wheeler. O Q da reação (cerca de 200 MeV) e a altura da barreira para a fissão, Eb, estão indicados na figura. Fonte: Halliday (2007)  http://phet.colorado.edu/simulations/sims.php?sim=Nuclear_Fission.


A figura 6 mostra um gráfico da energia potencial de um núcleo em vários estágios do processo de fissão, calculada a partir do modelo proposto pelos dois pesquisadores, em função do parâmetro de distorção r, que é uma medida do grau de afastamento do núcleo em relação à forma esférica. A figura 5d  dá uma ideia de como este parâmetro é medido pouco antes que ocorra a fissão,  sendo r a distância entre os centros dos dois glóbulos. Quando os fragmentos estão muito afastados um do outro, r é simplesmente a distância entre os centros dos fragmentos. A diferença entre a energia inicial do núcleo e a energia dos fragmentos após a fissão (ou seja, a energia de desintegração Q) está indicada na figura 6. O interessante é que a energia potencial do sistema passa por um máximo para um certo valor de r. Isto significa que existe uma barreira de potencial Eb, que os fragmentos têm que vencer para que ocorra a fissão. Portanto, a fissão só pode ocorrer se o nêutron absorvido fornecer uma energia de excitação suficiente para que os fragmentos possam vencer a barreira, Eb, ou seja, adquirindo uma energia total (Q+Eb). >Acesse o sítio na legenda da figura 6 e veja este efeito no simulador da PHET. No caso dos nuclídeos pesados, como o urânio-235 e o plutônio-239, esta barreira é menor quando comparada com a do urânio-238.


4. REAÇÃO EM CADEIA

A fissão de um núcleo de urânio, desencadeada pelo bombardeio com nêutrons, liberta outros nêutrons que podem desencadear outras fissões, sugerindo a possibilidade de uma reação em cadeia, como mostra a figura 7. A reação em cadeia pode se processar de maneira lenta e controlada em reator nuclear ou de modo explosivo em bomba atômica. A energia liberada  na reação em cadeia de uma fissão nuclear é enorme, muito maior do que em qualquer tipo de reação química.


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Figura 7 - Diagrama esquemático da reação em cadeia de uma fissão nuclear. Fonte: Imagens Google.


Praticamente, todo o urânio que existe na natureza é composto de dois isótopos: ographiccom uma abundância de 99,275%, e ographic, com uma abundância de 0,720%. Embora ographicseja de longe o isótopo mais abundante, a probabilidade de que sofra uma fissão ao capturar um nêutron é muito pequena. Para isso, seria preciso que o nêutron possuísse uma energia cinética da ordem de 1,3 MeV, muito maior que a de um nêutron térmico. As duas bombas atômicas usadas na Segunda Guerra Mundial dependiam da capacidade dos nêutrons térmicos de fazerem com que muitos nuclídeos pesados se fissionassem praticamente ao mesmo tempo, produzindo uma violenta explosão.