A natureza dual, ondulatória e corpuscular da matéria
conduziu a física para uma nova forma de descrição
da realidade: estamos falando dos primórdios da Física
Quântica!
Dizemos que a Física Clássica é determinística,
pois se a posição e velocidade inicial de uma
partícula e as forças que atuam sobre ela são
conhecidas, o movimento resultante está definido pelas
Leis de Newton, isto é, o futuro da partícula
está determinado. É dessa forma que há
muitos anos estamos prevendo o comportamento dos astros que
nos rodeiam como a Lua, por exemplo. Porém, isso não
é verdade na Física Quântica, ou seja,
no mundo das partículas elementares. Imagine um microscópio
hipotético usado para observar o elétron em
suas órbitas. Para observá-lo, é necessário
incidir luz sobre ele, um feixe de fótons. Ao colidir
com o elétron, o fóton transfere momento (quantidade
de movimento p = m.v) de modo que o recuo
do elétron o retira da sua posição original.
Se não sabemos sua posição original,
como poderemos determinar as futuras posições?
Na Física Clássica, não nos preocupamos
com esse aspecto. Veja o caso da Lua: apesar de a luz do Sol
que a ilumina transferir momento, esse efeito é tão
pequeno que não percebemos. Ao medir a posição
da Lua, incidindo um poderoso feixe de laser no espelho deixado
pelos astronautas que lá estiveram, seu recuo é
desprezível.
Voltemos ao elétron e vamos abordar o problema da medição
de sua posição usando a natureza dual: se sua
descrição é feita, às vezes, como
partícula e, às vezes, como onda, é possível
saber exatamente onde ele está num determinado instante?
Como é possível se uma onda se estende através
de uma região do espaço?
Para expressar a incapacidade de descrever a posição
correta do elétron, Heisenberg
enunciou o Princípio da Incerteza
em 1927:
Uma experiência não pode determinar simultaneamente
o valor exato de uma determinada componente do momento linear
de uma partícula e o valor exato da componente correspondente
da sua posição com precisão melhor do
que:
(1)
onde Dpx
é a incerteza na determinação do momento
linear da partícula, Dx
é a incerteza na posição e h é
a constante de Planck (existem equações semelhantes
para as coordenadas y e z).
O microscópio hipotético usado
para determinar a posição e a velocidade do
elétron simultaneamente está descrito na figura
1 a seguir.
Figura 1: Microscópio hipotético para observar um
elétron.
onde Dx
é a distância entre dois pontos que podem ser distinguidos
pelo microscópio, l
é comprimento de onda da luz e q
é a metade do ângulo da lente usada. Quando o fóton
interage com o elétron, a incerteza em sua posição
é Dx.
Para que esse valor seja o menor possível, o comprimento
de onda deve ser muito pequeno: fótons de raios gama, por
exemplo. Como o fóton transfere momento ao elétron
na colisão, a variação do momento do fóton
por causa do Efeito
Compton é
(3)
e que corresponde à incerteza no momento transferido
ao elétron já que o fóton desviado pode entrar
na lente do microscópio em qualquer posição
dentro do ângulo q
(veja a figura 2).
Veja o que ocorre ao fóton e ao elétron na animação:
Figura 2: Lente de microscópico em qualquer
posição
Então: (4)
O Princípio da Incerteza é uma consequência
da natureza dual da matéria. Se uma partícula encontra-se
em uma região com incerteza Dx,
então seu comprimento de onda natural deve ser menor que
Dx
(veja a parte superior da figura 1), o que requer um momento elevado,
pois
(5)
O momento p deve variar entre
-h/Dx e h/Dx.
O raciocínio é análogo para a incerteza do
momento.
Heisenberg demonstrou que é possível conhecer alguns
dados sobre um sistema com grande precisão, mas outros se
tornarão cada vez mais imprecisos. Ao se medir com boa precisão
a posição de uma partícula, por exemplo, haverá
uma perturbação de sua quantidade de movimento e vice-versa.
O ato de medir sua posição inicial interfere no restante
do seu comportamento!
Essa impossibilidade de prever os fenômenos não é
considerada uma simples deficiência experimental e sim que
seja inerente à própria natureza.
Podemos ainda imaginar que para localizar o elétron, podemos
construir uma fenda tão estreita quanto o seu diâmetro.
No entanto, o que deve acontecer quando o elétron passar
por esta fenda que tem dimensões da ordem de grandeza de
seu raio clássico (10-15 m)? Quando o elétron
passar pela fenda, o que essa interação elétron-fenda
deverá acarretar? Teremos uma difração da onda
e uma figura de interferência como resultado na tela de observação.
O experimento de difração de elétrons realizado
em 1927, por Davisson
e Germer (USA) e G.
P. Thomson (Escócia), que consiste em incidir
um feixe de elétrons num cristal de modo que o atravesse
como se as distâncias interatômicas correspondessem
a fendas, nos mostra o comportamento dual (onda-partícula)
do elétron.
G. P. Thomson realizou difração de elétrons
numa fina folha de ouro. Elétrons eram produzidos pelo aquecimento
de um filamento e acelerados por uma diferença de potencial.
Assim eles incidiam sobre o filme cristalino e sofriam a difração,
de acordo com o esquema mostrado na figura 3.
A figura 4 mostra o padrão de difração
obtido. As franjas claras e escuras obtidas em forma de anéis
são conseqüência das interferências construtivas
e destrutivas das ondas associadas aos elétrons.
Fig. 4. Difração de elétrons
em cristais de ouro. Fonte: Eisberg, REsnick, Física Quântica,
Ed Campus.
Ao passar pela "fenda" o elétron
ganha uma quantidade de movimento na componente y de velocidade,
isto é, uma incerteza Dp
em sua quantidade de movimento (figura 5).
Figura 5: Quando um elétron atravessa uma
fenda, ocorre difração, obtendo-se um padrão
de interferência na tela que depende da relação
entre o comprimento de onda associado e a largura da fenda.
Fonte: Cavalcante e Tavolaro, 2007.
E novamente há uma incerteza Dx
em sua posição, pois:
(6)
ou ainda:
(7)
e então:
(8)
Resumidamente, pode-se dizer que quanto maior a
precisão com a qual se mede uma grandeza, forçosamente
mais será imprecisa a medida da grandeza correspondente.
Grandezas correlacionadas pelo principio da incerteza são
chamadas de grandezas canonicamente conjugadas.
Como exemplo de grandezas canonicamente conjugadas temos: posição
e velocidade (ou momento linear) e energia e tempo.
Perceba a sutileza deste mundo microscópico
(figura 6): num mesmo experimento, não podemos provar simultaneamente
o comportamento corpuscular e ondulatório sem perturbar o
sistema!
Figura 6: Eis a diferença entre o mundo macroscópico
onde vivemos e o mundo das partículas elementares: partículas
grandes apresentam incerteza desprezível em sua posição.
"O Princípio da Incerteza tem implicações
profundas na forma como vemos o mundo. É impossível
prever acontecimentos futuros com precisão, dado não
ser possível medir com precisão o estado do Universo.
A Mecânica Quântica prevê vários resultados
possíveis para uma observação, cada um com
a sua probabilidade e, portanto, informa-nos acerca das probabilidades
de cada um dos futuros estados possíveis do mundo."