A avaliação
psicológica requer um conhecimento clínico aprofundado, um conhecimento
técnico aprofundado, e um reconhecimento de si mesmo, por parte do
profissional que a realiza. Neste caso, não se trata apenas de fazer
determinados procedimentos, prever ou antecipar alguma situação,
trata-se de criar as condições para que determinados encaminhamentos
possam se dar, a partir da mesma, de modo claro ao sujeito. De modo geral,
acreditamos ser o início de qualquer trabalho em psicologia.
Falar em avaliação psicológica ou em psicodiagnóstico
implica reconhecer a função deste momento de trabalho da psicologia,
no contexto do social pois, é a sociedade que, de algum modo, nos chama
a responder por questões que fogem a sua compreensão imediata.
Emerge desse social, questões ilustradas pelo relato da dificuldade
de uma escola em se posicionar diante de um comportamento de determinado aluno,
pai ou professor, que afeta ou desorganiza esse espaço (físico
e subjetivo); a Justiça que não consegue determinar o efeito
que tem ou que pode ter sobre o sujeito uma definição jurídica;
o profissional de medicina que não percebe evolução no
tratamento ou no acompanhamento clínico de determinado paciente; e
ainda, outros profissionais que por diversas razões se vêm às
voltas com as questões subjetivas das pessoas e precisam num curto
espaço de tempo de uma resposta para clarear ou orientar seu trabalho
(Neurologia, Nutrição, Administração...).
Para avançar é importante tomar a especificidade do que se refere
à avaliação psicológica e ao que conhecemos como
psicodiagnóstico clínico. " A avaliação psicológica
é um conceito muito amplo. Psicodiagnóstico é uma avaliação
psicológica, feita com propósitos clínicos e não
abrange todos os modelos de avaliação psicológica de
diferenças individuais. É um processo que visa a identificar
forças e fraquezas no funcionamento psicológico. É um
processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas
e testes psicológicos". (Cunha, 2000, p. 23 - 26). A diferença,
pois, entre ambos remete ao foco de observação. Assim, o psicodiagnóstico
clínico é uma forma de avaliação psicológica,
mas existem outras formas de avaliação psicológica. Falar
em psicodiagnóstico clínico remete a isto que é a dinâmica
interna entre as instâncias psíquicas, como elas respondem de
alguma forma aquilo que a realidade exige.
A avaliação psicológica pode ser contemplada a partir
do psicodiagnóstico clínico, mas possivelmente vai além,
vai a direção ao que remete às demandas sociais. Quando,
por exemplo, se atende o pedido de uma instituição pública
ou privada de uma avaliação psicológica até se
pode partir de um psicodiagnóstico, como primeiro momento, mas é
necessário avançar em direção às funções
do ego, verificar o modo como ele se organiza para viabilizar as trocas do
sujeito com a realidade. Avaliam-se as possibilidades do sujeito, de sua organização
para o trabalho, ou de sua organização para o estudo. Enfim,
observa-se nesta, a subjetividade direcionada para a construção
e manutenção dos vínculos sociais.
Assim quando recebemos um pedido de uma avaliação psicológica
ao nível de Justiça, sem dúvida, encontram-se presentes
elementos que remetem à organização subjetiva, mas o
objetivo direciona o foco para uma possibilidade de planejamento de ação
em relação ao que o futuro pode trazer com relação
ao sujeito em questão. De uma certa forma busca-se a possibilidade
de predição de um determinado comportamento ou de uma determinada
forma de estabelecimento de relação deste sujeito com o social,
a fim de que possa orientar uma intervenção. Isso advém
do entendimento de que há situações em que a simples
percepção ''de fora", de um profissional, não indica,
ou não permite a captação do significado destas para
a organização subjetiva. Isso possivelmente inviabilize uma
predição o que, dependendo da amplitude, gera reações
de desconfiança que afetam os vínculos sociais.
Aliás, é nessa questão da predição e da
prevenção que se colocam as maiores críticas com relação
ao processo de psicodiagnóstico clínico e da própria
avaliação psicológica e é preciso que se registre
o caráter não absolutista de qualquer avaliação,
ou seja, não há uma certeza absoluta acerca dos resultados de
um psicodiagnóstico, até porque ele se propõe abrir possibilidades
e não produzir o fechamento num diagnóstico. Tomam-se os resultados
com uma certa reserva no sentido de saber que há uma dinâmica
interna que qualquer elemento externo pode produzir alterações
(resignificações) em nível de interior que descaracterize
"aquela" possibilidade de procedimento, de resposta do sujeito,
situando-a apenas como hipótese ou probabilidade.
A avaliação psicológica e o psicodiagnóstico são
algo controverso dentro da psicologia, no sentido do reconhecimento de que
esse procedimento seja eficaz. Particularmente pensamos que na clinica e no
trabalho institucional, seja um procedimento apropriado e recomendável
em muitas situações.
Quando o sujeito vem buscar um acompanhamento psicoterapêutico na condição
de apropriação da fala, da linguagem, do simbólico, falando
de si mesma, se falando; quando a demanda é de psicoterapia e se percebe
que o sujeito já está operando com isso, não há
necessidade de recriar mecanismos, ficar reinventando a própria condição
de instrumentalidade, ou seja, não há necessidade de se recorrer
ao psicodiagnóstico clínico. No entanto, numa certa altura,
por alguma dificuldade posta a partir do próprio acompanhamento, pode
vir a ser necessário uma Avaliação psicológica
do momento. Neste caso, não entendo como algo imprescindível
mas como possibilidade. Temos utilizado e, entendemos como uma necessidade,
à realização do psicodiagnóstico em vários
momentos na clínica. Principalmente quando a demanda vem do social.
Geralmente recebemos algum pedido de orientação, que pode ser
informal (oral) ou formal de alguma instituição. São
casos onde a escola não sabe como proceder acerca de um comportamento,
solicita à família a opinião de um profissional de psicologia
e esta mesmo não entendendo como significativo "se falar"
busca o profissional e solicita uma avaliação. É o que
chamo de avaliação a pedido, neste caso, uma avaliação
psicológica é ponto onde se pode abrir para uma outra possibilidade
de implicação familiar. Ao mesmo tempo, pode reconduzir a uma
outra forma de responsabilização da escola pela retomada de
suas atribuições.
Na clínica temos tido como procedimento à realização
do psicodiagnóstico, na medida em que o trabalho se encaminha no sentido
de uma avaliação psicológica, quando é um pedido,
que exige de algum modo que se faça um retorno.
Entendemos, que trabalhar com a avaliação psicológica,
na perspectiva de troca com o social, implica em ter um conhecimento técnico
no sentido de saber utilizar instrumentos e técnicas; são muitos
testes à disposição dos profissionais e relativamente
poucos com padronização brasileira; além disso temos
que ter o cuidado com a linguagem e o conteúdo das devoluções
para tanto se coloca a supervisão do processo como um procedimento
complementar e significativo.
No caso de uso de instrumentos, é importante ter claro que um teste
reflete uma concepção teórica, que por vezes permite
a abertura para uma leitura diferenciada, outros não. Dizendo isso,
referimo-nos, por exemplo aos testes projetivos. Em sua grande maioria, estes
permitem com que a leitura possa ser feita por diferentes abordagens (Cognitivismo,
Gestalt, Humanismo), embora sua referência inicial seja a psicanálise
em suas variantes ou distorções. No caso dos psicométricos,
que se propõem a medir as qualidades, as "capacidades" determinadas
do sujeito, como aquelas que remetem às funções do ego,
ou seja, à capacidade do ego em responder às questões
do raciocínio lógico, do raciocínio abstrato, da orientação
espaço-temporal; capacidade de responder de modo eficaz ou não
a cada momento, quando a realidade assim exige. Neste caso, as abordagens
serão significativas para a construção do processo, leitura
e interpretação bem como na devolução e encaminhamentos.
Fazer uma avaliação requer um conhecimento desses instrumentos,
não apenas a aplicação, não apenas a leitura do
manual, há que se buscar a concepção teórica pela
qual o teste foi construído para poder verificar a possibilidade de
uso desse instrumento, do significado do uso.
Por outro lado, avançando no processo em discussão, podemos
pensar em etapas necessárias à realização de uma
avaliação psicológica e de um psicodiagnóstico
clínico: o primeiro deles e que é comum a qualquer avaliação
psicológica diz daquilo que vai desde o agendamento da consulta até
a consulta propriamente dita; o segundo momento refere-se à explicitação
das razões da procura , desde as conhecidas até as desconhecidas
pelo sujeito, as fantasias e expectativas, bem como as construções
dos familiares e do sujeito acerca da questão; o terceiro momento onde
avaliamos os primeiros dados e fazemos o planejamento do trabalho com a inclusão
de instrumentos (testes), técnicas (entrevistas - individuais, familiares,
vinculares; hora do jogo); o quarto momento onde realizamos o que foi planejado,
fazendo as adequações necessárias, conforme as construções
do sujeito no processo; o quinto momento onde se avalia e se integra o dado
obtido no processo, retomando os pontos obscuros, se necessário; e,
por fim o sexto momento que é aquele onde procedemos à entrevista
de devolução e a construção da informação
sobre o processo a quem solicitou (no caso de outro profissional, escola ou
instituição).
E, reconhecendo a importância de todo o processo construído em
conjunto com o sujeito que chegou com alguma questão explícita
ou latente, apontamos para o momento que consideramos mais significativo do
ponto de vista da possibilidade de construção de demanda: a
devolução. Este é o momento onde o percurso do profissional
emerge de modo significativo. De acordo com o percurso teórico trabalhado,
com o tratamento que dispensou a si próprio enquanto sujeito, se qualifica
a fazer as devoluções que favoreçam uma significação
diferenciada da prática comum (da medicina e outras áreas),
ou seja, do encontro de uma resposta ou de um lugar.
Além da importância da devolução cuidadosa para
o sujeito, precisamos elaborar um instrumento de comunicação
de resultados. Geralmente temos usado como instrumento o laudo, construído
com algumas variações a partir do trabalho do professor César
Ricardo Skaf , publicado pelo CRP/08 (Paraná).
1) Preâmbulo: parte na qual se indica o requisitante (ou a autoridade
que me atribuiu o encargo) e faz-se a identificação dos dados
significativos (nome, idade, filiação...)
2) Histórico: Consiste no registro dos fatos mais significativos que
motivam o pedido de avaliação. Neste momento são descritos
os fatos de modo simples e objetivo, sem a preocupação de comprometer-se
com sua veracidade, agradar ou desagradar alguém.
3) Descrição: É à parte que tem por função
reproduzir de modo objetivo e metódico o que foi observado através
dos exames e técnicas empregadas. (Aqui o conhecimento do profissional
acerca da psicopatologia, psicologia do desenvolvimento e da personalidade
ou da constituição psíquica, assim como das técnicas
de psicodiagnóstico farão a diferença no sentido de orientar
o que relatar neste documento).
4) Discussão: Esta parte pode conter citações e transcrições
de autoridades recomendadas, sobre o assunto. Tem por objetivo abordar as
hipóteses a partir de justificativas racionais, buscando o afastamento
de concepções e opiniões pessoais.
5) Conclusões: Aqui se procede a síntese diagnóstica
redigida com clareza, disposta ordenadamente deduzida pela descrição
e discussão. É a análise sumária após exame
minucioso. É o resultado lógico e inevitável do raciocínio
desenvolvido na discussão.
Embora seja uma descrição do procedimento técnico e como
tal demonstra um certo engessamento, penso que o momento de uma avaliação
psicológica pode revelar efeitos interessantes para quem participa
deste processo. Se bem conduzido, respeitando-se as etapas e as questões
éticas que permeiam toda a prática do profissional da psicologia,
ainda comporta uma grande possibilidade de trabalho de quem a ele recorre
seja o contexto em que for. Com isto quero dizer que, mesmo que o sujeito
esteja numa condição imprópria para demandar (pela imposição
da justiça, por exemplo), ainda assim é possível, ao
mantermos o foco no sujeito poderemos observar efeitos organizadores e de
crescimento para o sujeito.
Por fim apenas o assinalamento de que se precisa estar atento ao tipo de informação
que se traduz no laudo. Este deve estar de acordo com o fórum demandante,
sem excessos. Como já situado, penso que seja um instrumento fundamental
ao exercício do psicólogo, principalmente no encontro da psicologia
com as demandas da sociedade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
(1) ANASTASI, Anne. Testes Psicológicos. São Paulo: EPU, 1977.
(2) ARZENO, Maria Esther Garcia. Psicodiagnóstico Clínico: novas
contribuições. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
(3) CUNHA, Jurema Alcides et alii. Psicodiagnóstico – R. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1993.
(4) _____________ Psicodiagnóstico – V. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000.
(5) MINICUCCI, Agostinho. Elaboração de laudos psicológicos.
Vol.1, 2, 3. São Paulo: Casa do Psicólogo. Editorial Psy, 1996.
(6) SKAF, César R. Instruções Técnicas para elaboração
de Laudos, Atestados e Pareceres. 2 ed. atualizada. Conselho Regional de Psicologia
– 8ª Região: Paraná, 1997.
1 Médico pela Universidade Federal do Paraná,
especializado em Psiquiatria, Bacharel em Psicologia e cursando o curso, Especialista
em Psicologia clínica pelo Departamento de Psicologia da Universidade
Federal do Paraná. Segue doutoramento em Psicopatologia Forense no
Departamento de Psicologia da Saúde de Liège, na Bélgica.