Os Brinquedos e o Brincar

Angela M. Schneider Drügg

Psicólogos de diferentes orientações teóricas utilizam brinquedos e materiais de brincar na clínica com crianças. O fundamento desta prática é o pressuposto de que o brincar é uma das principais vias de expressão da criança. Entretanto, quando se trata de selecionar o material que fará parte de uma sala de atendimento, não encontramos unanimidade, mesmo entre profissionais que seguem a mesma linha. Assim, há aqueles que consideram que a sala deve conter uma variedade de coisas interessantes e provocativas e, no outro extremo, os que oferecem à criança apenas uns poucos brinquedos para que ela não fique absorvida por materiais extravagantes e atividades fascinantes. Para alguns parecem ser muito importantes os brinquedos. Para outros interessa mais o brincar. Sem a pretensão de esgotar a discussão extraímos alguns elementos da literatura psicanalítica, na intenção de que possam servir de ponto de partida para uma reflexão.
Melanie Klein, que foi a primeira psicanalista a introduzir o brincar como uma técnica específica para o tratamento de crianças, considerava que alguns tipos de brinquedos eram mais adequados. Achava essencial ter brinquedos simples e pequenos, pois destes podia-se ter maior número e variedade e assim permitir à criança expressar uma ampla gama de fantasias e experiências. Os brinquedos mecânicos eram considerados inadequados e aqueles que representavam figuras humanas não deviam indicar qualquer ocupação particular. Entretanto, Melanie Klein não pensava que a sua seleção de brinquedos era a única possível. A criança também podia trazer seus próprios brinquedos ou criar brincadeiras espontaneamente. Ela ainda sugeria que cada criança em tratamento tivesse uma gaveta particular para guardar seus brinquedos. Isto era uma garantia de que só o analista sabia do seu brincar.
O brincar era tomado por Melanie Klein como um equivalente da associação livre, interpretando-o do mesmo modo que a fala dos pacientes adultos. Observou que, brincando, a criança expressava uma variedade de situações emocionais, repetindo experiências entrelaçadas com suas fantasias. A análise da transferência era um dos pontos mais importantes da sua técnica do brincar, pois compreendia que o paciente repetia com a analista emoções e conflitos anteriores e as interpretações transferenciais podiam levá-los de volta ao lugar de onde se originaram, diminuindo, assim, a ansiedade da criança. Isto se tornava possível graças à linguagem simbólica do brincar que ela notou ser similar à linguagem dos sonhos descoberta por Freud. Através da análise das crianças pode concluir que o processo de formação de símbolos promovia o alívio da ansiedade e por isso o brincar era tão essencial para elas.
Winnicott, ao contrário de Melanie Klein, recomendava ao clínico que tivesse cautela ao interpretar o brincar. Para este autor, o brincar é por si mesmo uma terapia. É uma experiência criativa que facilita o crescimento e a saúde e conduz aos relacionamentos grupais. Ele estava mais interessado em compreender o brincar como uma função natural e universal antes de pensar seu uso na clínica. Nesta considerava que o brincar podia ser uma forma de comunicação. Um tratamento eficaz teria que transcorrer numa área de superposição entre o brincar da criança e o brincar do terapeuta, ou seja, num espaço transicional que se constituiu originalmente na relação da mãe com seu bebê. Somente nesta condição uma interpretação podia fazer efeito.
Winnicott desenvolveu sua própria teoria da brincadeira. Na sua concepção esta não faz parte do mundo interno e tampouco do mundo externo, do não-eu, do que está fora do controle mágico. Faz parte de um espaço de ilusão, uma área neutra de experiência, que será importante para os humanos por toda a vida. Este espaço transicional é povoado num primeiro tempo pelos objetos transicionais. Quando estes perdem o significado e desaparecem é ocupado pelas brincadeiras e depois pelas experiências culturais. Os brinquedos têm função semelhante à dos objetos transicionais na medida em que também podem ser abandonados pela criança quando ela não precisa mais deles.
Não encontrei em Winnicott indicações específicas de que ele considerasse alguns brinquedos mais apropriados para uso na clínica. Na obra The Piggle: relato do tratamento psicanalítico de uma menina, fica-se sabendo que tem em seu consultório um espaço para os brinquedos, onde se encontram uma variedade de carrinhos, bonecas, homenzinhos, soldados, etc.
Nos EUA, a técnica do brincar no tratamento de crianças recebeu influências da psicologia do ego e da psicologia humanista, entre outras, passando a ser conhecida como ludoterapia. Ginott, psicólogo clínico, define entre os objetivos desta: estabelecer contato com a criança, provocar a catarse, desenvolver o “insight”, oportunizar a prova da realidade e propiciar a sublimação. Segundo ele, a seleção dos brinquedos e materiais deve ser bem variada para atender a todos estes objetivos. Para exemplificar seu pensamento trazemos uma de suas idéias para propiciar a sublimação. Com este objetivo sugere oportunizar à criança gozar prazeres proibidos de forma socialmente aceitável. Assim, uma criança enurética deve poder brincar com tinta e água, outra encoprética, com lama e argila marrom. Nesta abordagem, o papel do terapeuta é o de viabilizar o brincar que por si só tem valor terapêutico. Não há interpretações de conteúdos inconscientes. Há apenas devoluções dos efeitos das ações e dos sentimentos da criança.
Já Fraçoise Dolto, na psicanálise com crianças, utilizava principalmente o desenho e a modelagem. Considerava pouco produtivo o uso de qualquer material representativo, pois o que buscava era o enlace entre as fantasias e a palavra. Sobre a interpretação das produções das crianças dizia que não se deve afirmar que significam isto ou aquilo e apenas fazer proposições sob a forma de perguntas ou hipóteses porque o saber está no sujeito. Pedia à criança que falasse do que produziu em transferência, mas não o explicava. Para Dolto, as produções da criança não eram tomadas como símbolos mas como significantes.
Encerrando com Freud, verificamos que ele destaca a importância tanto do brincar quanto dos suportes materiais nos quais este necessariamente se apoia. No artigo, Escritores Criativos e Devaneios, considera que a ocupação favorita e mais intensa da criança é a brincadeira, comparando-a com a atividade do poeta. Assim como este, a criança, através do brincar, que é regido pelo desejo de “ser grande”, pode colocar as coisas de seu mundo em uma nova ordem. Porém, ao contrário do que acontece com o poeta, que pode prescindir da realidade na sua atividade criativa, a criança precisa apoiar suas fantasias em objetos tangíveis e visíveis do mundo real.
Considera-se que qualquer objeto pode servir como um brinquedo, isto é, como suporte para o brincar infantil. Mesmo assim, como pudemos constatar, sua inclusão ou não na clínica infantil não costuma ser aleatória, vinculando-se às concepções do brincar e de tratamento que os profissionais têm.


Psicóloga, professora do DFP, mestre em educação nas ciências, doutoranda, membro do EPI.